Dormindo com o inimigo
Ainda
no feto aos três meses da gestação o indicativo do sexo reconhecido pelo médico
foi você. Depois do nascimento, ainda sem saber a quem obedecer foste
voluntarioso, atendeste primeiramente as necessidades da bexiga, desconheceste
totalmente a supremacia cerebral a qual tu, desde o nascimento estavas
submetido, não reconheceste nele, o cérebro, o teu chefe imediato,
desobedeceste desde o nascimento a hierarquia das ordens de um complexo sistema
criado por DEUS com a finalidade de fazer com que o mundo caminhasse sempre em
ordem progressiva à continuidade da vida. Foste sempre arrogante, quantas vezes
tive a vontade de fazer de ti um mero canal de despejo! Oh! Como me
arrependo...
Nem me
lembro de quantas vezes me foste audacioso, sempre estiveste numa posição de
alerta ao menor sinal cerebral de ataque. Foste um grande soldado, motivo de
orgulho de um general bátavo. Ao menor sinal da complexa paixão fulminante,
estavas tu,em pé! Resoluto, inquieto pronto à invasão em territórios dantes
desconhecidos e inexplorados, deslizastes por cútis úmidas e nem por isso
desististes, foste um herói! Cativaste o inimigo com tua arrogância peculiar,
atraíste os sentimentos e nada fizeste para conservá-los, foste um ser
individualista, quando mais precisava de ti, tu estavas em repouso aproveitando
do aconchego do casulo ao qual nunca saíste. Satisfeito, tu dormias...
Lânguido! Tens o temperamento de um felino, só procura carinho quando tens
fome.
Lembro-me
perfeitamente da tua disposição em enfrentar situações embaraçosas, saía bem de
todas elas, porem me deixavas sempre constrangido. Mas mesmo assim foste um
grande companheiro, motivo de orgulho da minha própria existência. Olhava
cabisbaixo, vendo-te sempre como um aliado em situações de total
comprometimento da minha sexualidade. Da mesma forma que eu, tu te apaixonavas
facilmente, eras volúvel, dissolvias ao menor calor humano. Foste sempre
responsável pelas minhas conquistas, nunca reclamei! Tinha orgulho de ti! Oh!
Companheiro! Grande soldado! Defendeste muito bem o estandarte da minha
masculinidade, fincaste a bandeira do machismo por qualquer atalho que meu
destino me levava.
Foste
Alexandre, foste Ulises, foste Gengis Khan também herdastes os traços dos
Cézares, fostes conquistador como Marco Antonio, incendiário como Nero,
pervesso como Hitler, libertador como Lenin, poeta como Castro Alves, dormiste
com as deusas do Olimpo e deixaste em vigília Cleopátra.Em teus pensamentos,
foste amante de Jocasta, sonhavas com Afrodite, perdias a noção e a razão ao se
defrontar com o desejo, foste sempre obediente aos comandos do pensamento. Ao
menor sinal enviado a ti, agias com rapidez de uma lontra, mergulhavas nas águas
do desejo com tal ímpeto que dela só saía depois do cansaço instalado nos teus
nervos. Dormias cansado...
Foste
sempre um incansável baluarte das paixões irresponsáveis, dos momentos loucos,
que atiravas inconsequentemente no escuro sem saber o que te esperava. Foi
herói, foste vilão, adoeceste, recuperaste. Incansável eras tu, que mesmo
dormindo protegido, acordavas ao menor sinal da paixão repentina. O tempo
passava e parecia sempre um altivo guerreiro pronto para batalha. Eras imortal,
soberbo! Arrogante, impetuoso. Estavas sempre em alerta e obedecia aos comandos
do cérebro. Fiel! Dedicado! Insaciável! A eternidade era o teu túmulo parecia
imortal. Sempreorgulhei-me de ti.
Tempo,
este inimigo que me consome os músculos não te poupou também. Tu, que achavas
que seria meu eterno orgulho, tornaste-me meu maior pesadelo, minha maior
decepção. Olho-te! Que desprezo nutre hoje pela tua postura! Cabisbaixo, ficas
sempre. És um membro humilhado, derrotado, não reconheces mais as ordens vindas
do cérebro, têm preguiça. As paixões que dantes guiava as tuas aventuras hoje
não passas de lembranças de um passado recente. Foste prematuro em demasia,
mesmo quando ainda estou ativo e alerta as paixões e aventuras não conto mais
contigo, só te olho. Tornaste desobediente, um membro a mais... Um membro
qualquer que só atende as necessidades de um único órgão.
Tenho,
tenho sim, boas lembranças do tempo que ao ver propaganda de pasta Kolinos tu
te alvicerava todo. Lembra-se das propagandas de calças cinta-liga? Que
vergonha eu passava de ti! Namorar então... Era preciso te prender, e que
sofrimento! Uma coisa tenho eu de orgulhar de ti. Nunca mefizeste passar
vergonha mas... Agora... és mais um membro inútil, na Grécia és lembrado em
forma de estátua fálica. Pareces que estás sentado em uma daquelas cadeiras
velhas e arcaicas da Academia brasileira de letras. Adoras Camões, Platão,
Aristóteles e tantos outros. -Mas esqueceste de que Pitágoras disse:‘‘O homem é
mortal por seus temores, e imortal por seus desejos.”
Agora
nos meus oitenta anos, vejo-te não um imortal, não, um membro que cumpriu tuas
obrigações, mas um traiçoeiro que não esperou meu envelhecimento nas coisas do
amor ou melhor, esqueci de te avisar que nós humanos envelhecemos mas não
deixamos de amar. Entendo agora que foi sim, um erro de fabricação. Nos fizeram
com um cérebro dando ordens ao todo o conjunto vivo, mas tu, que tinha vontade
própria não recebeste memória própria, hoje teu envelhecimento não te propicia
o entendimento das coisas do amor e do desejo, enquanto meu cérebro
alvissareiro continua em verdadeira busca do desejo...Do amor.
Vejo-te,
como um inimigo, tu me afastas dos meus sonhos eróticos e traze-me a uma
realidade na qual não gostaria de vivenciar. Não devo mais contar contigo,
serei criativo, fingirei as coisas do desejo, enganarei o amor. Não sentarei
naquelas malditas cadeiras dos imortais, não lerei Aristóteles, camões,
fingirei gostar das escritoras Hilda Hilst, Letícia Luccheze e tantas outras
que escrevem coisas do amor, erotiza a paixão descrita. Serei falso, serei
amante incansável principalmente nas rodas de dominó e baralho. Vê se tu não me
atrapalhas quando sentar-me. Eu, fingirei estar morto, e tu fingirás está vivo.
www.brasilsoldaliberdade.blogspot.com Alberto Ribeiro Filho
albertorf@gmail.com
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