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01/12/2017

O príncipe e o mendigo.


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 Dia 26.11, publicada no jornal Correio Popular, de Campinas, SP
O príncipe e o mendigo

Ele ia entrando numa dessas lanchonetes modernas, de muito acrílico e esmaltes, em pleno Cambuí Nobre, quando foi abordado, na porta, por um mendigo:
--- Boa tarde, senhor; será...
Ao verificar que se tratava de figura ainda relativamente nova e, portanto, em condições de pegar no pesado, chegou a pensar numa descompostura. Porém, optou por outra estratégia:
--- Muito bem – diz – se você está com fome eu te pago um sanduíche.
--- Ora – o pedinte chega a recuar – o que é isso, doutor? Eles não me deixam entrar aí.
Constatando o efetivo precário estado de apresentação do coitado, o outro aponta:
-- Então você espera ali na beira da calçada que vou pegar algo para matar sua fome. Pode ser um cheesebúrger?
--- Um o que?
--- Um sanduíche de pão com carne e queijo. Pode?
--- Sabe, doutor – o miserável saca as palavras – se eu lhe disser o senhor nem vai acreditar.
--- Não vou?
--- Não vai...
--- Então vamos lá, diga.
--- Eu não estou com fome.
--- Ah, está vendo? – Havia um tom moralista na exclamação – Já vi tudo, você não está pedindo esmola para comer. E se não quer comer, o que quer, naturalmente, é beber.
--- Eu sou um mendigo – o camarada torna – porém não sou mentiroso. O senhor tem razão.
--- Em que eu tenho razão? – O sujeito se desconcerta.
--- Eu, de fato, quero beber, quero um trago. Ali mesmo – aponta para o outro lado da rua, onde havia um boteco não inteiramente sórdido, até por causa do bairro, mas quase.
--- Francamente – o executivo suspira, arrancando a carteira do bolso de trás da calça – não sei onde estou com a cabeça. Mas tudo bem.
Ao entregar a nota de dez reais o pedinte, vendo-a, arregala os olhos, tomado pela surpresa, enquanto o doador observa:
--- Mas fique sabendo que estou vendo que você é um cara forte, com todas as condições de estar trabalhando, não é mesmo?
--- Mas doutor...
--- Nada de mas doutor. O que está acabando com sua vida é a maldita da cachaça, sabia?
--- É que pobre não tem vez...
--- Papo furado. Pode não ter vez em outros países do Terceiro Mundo, mas não aqui no Brasil.
--- Mas doutor... Catorze milhões de desempregados...
--- Deixe de queixumes, pois aqui pobre tem vez sim. Não está vendo o caso do Lula? Era um miserável que vivia comendo terra lá pelo Nordeste. No entanto migrou para São Paulo, subiu na vida e chegou a presidente da República. É verdade que um presidente da República muito do incompetente, que jogou o Brasil no caos e na merda. Mas ele mesmo está bem, riquíssimo e, se escapar da cadeia, vai gozar a vida por cima da carne seca.
Terminado o minidiscurso, nosso herói para de falar, se vira e vai entrando na lanchonete de luxo. Só que o mendigo o chama:
--- Por favor, doutor.
--- Vamos lá, o que é, agora?
O molambento, ainda com a cédula de 10 paus na mão, aponta:
--- Será, doutor, que o senhor não poderia me descolar uma linguicinha daquelas que estão fritando ali?
--- Ué – a resposta sai dura – você não acabou de me dizer que não estava com fome e que desejava apenas um trago?
--- Eu sei – o coitado sorri – mas é que não sei beber sem um tira-gosto..


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